quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sai um quente e frio com um sorriso

 Sexta-feira, 16 de Outubro de 2009

Todos os dias saio de casa por volta das sete e meia da manhã. Deambulo até às escadas, ziguezagueio pelos degraus e caio no assento do carro. Por um caminho de terra, uma estradinha mal alcatroada, uma estrada alcatroada e uma auto-estrada alcatroadíssima chego ao céu
- ao céu diogo?!
- sim, ao Céu. No alto de um monte, à altura dos moinhos, um laranja ofuscante. Todos os dias. Todos os dias um laranja ofuscante. Os primeiros sinais são o céu azul, arroxeado, cor-de-rosa e alaranjado. É necessário subir mais alto para O receber. Um círculo desenhado no tecto do mundo.

Quente. Quente como a felicidade e o deslumbramento.

Todos os dias. Todos os dias liberto, da prisão que são os meus olhos, uma gotícula de água e sal (aquilo a que chamam lágrima). Escorre-me face abaixo. Preenche todos os buraquinhos do meu coração, todos os cantinhos onde há mágoa ou frustração, ódio, raiva, ressentimento... Calma. Acalma-se o coração e sai-me a emoção. Escorre-me o mar e é o sal que fica, como lembrança de onde pertenço.
- de mim vieste e deixo-te um pouco de mim, diz-me
O mar. Quantas confidências me conta. Abre-se o horizonte e observo. Tejo. Lezíria. Névoa. Longe. Miragem. A água corre no retrato, tudo o resto fica imóvel. Só, a água corre neste retrato. Quando passa reflecte, o sol e dá-me um quadro. Todos os dias. Recebo um quadro todos os dias. Guardo nesse livro de bolso (aquilo a que chamam memória) e anoto na página do hoje. (Não devia pôr dias pois todos são hoje. Ponho só porque sou do contra. Contra a corrente que me liga ao ontem e me prende ao amanhã).
- aos dezasseis dias do mês de outubro de dois mil e nove recebi um quadro. Era uma peça de teatro. No cenário estava desenhado um sol enorme, tão grande que se fosse criança teria pedido ao meu Pai para guiar em direcção a ele e lhe poder tocar. "Só um dedinho Pai, não te peço mais do que isso". Corriam, de um lado para o outro, carrinhos de brincar e formigas enchiam o palco. Havia umas linhas cinzentas no chão e algumas casas feitas de lego. Daquelas que se constroem e destroem consoante as histórias que se quer contar. Mas sabes o que me marcou, memória? O sal que me ficou numa linha até aos lábios e o rio que, imune a todos os segundos, a todas as histórias, a todos os carrinhos, a todas as formigas, a todas as linhas cinzentas, a todas as casas, corria sem parar. Sabes o que me marcou, memória? Acho que, num dado instante, ele parou. O rio parou e olhou para mim. Os meus olhos, com a ansiedade daquele momento, tiraram uma fotografia.
Foi nesse momento, nesse preciso momento, que o rio entrou em mim e eu nele.

Frio. Frio como a felicidade e o deslumbramento.

Escorreu, tocou-me os lábios, entrou em mim. O quente e frio que tomo todas as manhãs alimenta-me para o resto do dia e dá-me sentido para todos os hojes que vivo.
- o que é que deseja?
- um sorriso, e é o que recebo
Todos os dias. Todos os dias recebo no café da esquina (aquele com o bonito quadro) o meu quente e frio com um sorriso.

POR: DIOGO
Carpe Diem

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