segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pulgas

Como primeira entrada acho que devia mostrar um dos textos que mais gosto do que já tenho escrito. Escrito no dia 8 de Dezembro de 2010, diz muito de mim. A mão de que falo estava partida, descobri-o dois dias depois...

"Estou em pulgas. Outra vez.


Eu sei, agora estão aí vocês a pensar
- que mania que aquele rapaz tem, não para quieto, parece que tem
Bicho carpinteiro. De facto tenho. O que quer que seja bicho carpinteiro vive em mim com plena força.

Vim agora da praia, fui tomar banho com um dos meus melhores amigos - o fato isotérmico, claro -, e estou agora aqui, ainda de cabelo molhado a passar para o computador o que o meu bichinho carpinteiro quer transmitir. (Tomei por liberdade chamar-lhe bichinho, porque bicho carpinteiro toma um ar demasiado vulgar e o sufixo inho sempre dá um tom adocicado e carinhoso a algo que, no fundo no fundo, é um bicho como outro qualquer).
Levantei-me às seis e vinte e preparei tudo. Saí, dirigi-se para o ônibus ainda de noite e às dez da manhã estava dentro de água. Eu e o meu vulto de estimação, a Carolina Pereira. Doía-me a mão direita, acho até que ela não está nada bonita, deve ter para aqui um osso deslocado porque o meu vulto até disse assim
- ena paaaaah, ganda trissomia que tens para aí, isso está mesmo feio
- não há-de ser
Nada. E não foi mesmo. Doía-me antes de ir para a água, doi-me depois de vir da água. Por algum motivo que ignoro (excitação, compenetração, frio...?) não me doeu um segundo que fosse. Portou-se à altura da mão de um aspirante a surfista
- parabéns Mão!
Desculpem, tinha que lhe agradecer. Já me levantei cinco vezes, andei de joelhos outras tantas e, nas restantes tentativas, pus a lingua de fora, trinquei a língua e voltei para trás com a prancha no braço
- é desta!
E não foi. Língua, dentes, trincar, voltar.
E não foi. Língua, dentes, trincar voltar.
E não foi. E foi. E não foi. E não foi. E não foi.

E foi uma chegada e uma partida.
Uma chegada a onde vim. Um caminho longo, longo demais, uma convicção, uma paixão, uma conquista. Durante demasiado tempo fui para de onde vim. Agora vou para de onde venho.
Uma partida para uma aventura. Uma partida para um caminho longo, uma convicção, uma paixão mais apaixonada, uma conquista por conquistar.

A certa altura fui arrastado pela corrente para bem fora das espumas. Ondas de cerca de dois ou três metros e eu, com uma 7''2', sem me saber por em pé e com o risco de levar com uma quilha ou, melhor!, um nose na cabeça. Nadei, mas a corrente puxava-me para fora. Nadei ainda mais e, não ouvindo aquela que me gritava da praia, vim a nadar, prancha atada ao pé, braços e pernas a dar-lhe forte, até à espuma. Quando cheguei ao pé da Carol
- ai diogo estava tão nervosa, eu nem te via, só via a prancha e eu diogooooo diogooooo!
- na boa, nem houve grande stress, só estava com medo de levar com algum gajo em cima
- ai diogo tu não me faças outra
Dessas não faço de certeza tão cedo. Ou talvez faça, mas sem prancha. Foi ele a puxar-me, a dizer-me
- vem sentir a minha força que amanhã talvez possa eu sentir a
Tua. E vai sentir. Vai sentir sim.

Estou em pulgas sim. Quero voltar. Quero mostrar-lhe a Ele e mostrar-me a mim a minha força.
Língua, dentes, trincar, voltar.
Língua, dentes, trincar, voltar.

Dou por mim a cantar Chuva de Mariza, sobre saudade e ida e volta:
"As coisas vulgares que há na vida, não deixam saudade
Só as lembranças que doem, ou fazem sorrir
Há gente que fica na história, na história da gente
E outras de quem nem o nome lembramos a ouvir

São emoções que dão vida à saudade que trago
Aquelas que tive contigo e acabei por perder
Há dias que marcam a alma e a vida da gente
E aquela em que tu me deixaste, não posso esquecer

A chuva molhava- me o rosto, gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha, já eu percorrera
Lá em meu choro de moça perdida, gritava à cidade
Que o fogo do amor sob a chuva a instantes, caíra

A chuva ouviu e calou meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro, trazendo a saudade

A chuva molhava-me o rosto, gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha, já eu percorrera
Lá em meu choro de moça perdida, gritava à cidade
Que o fogo do amor sob a chuva a instantes, caíra

A chuva ouviu e calou meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro, trazendo a saudade"

Chove no meu olhar.
Até amanhã Mar.


CARPE DIEM
DIOGO DA SILVA"

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